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Por que o superfã é o atual protagonista da indústria musical
Publicado em 06/05/2024

Nova obsessão do mercado, o público altamente engajado com seus artistas favoritos mexe nas estruturas do streaming e do ao vivo

Por Eduardo Lemos

Se houvesse uma votação sobre qual é a "palavra do ano" na indústria da música em 2024, um forte candidato ao prêmio seria o termo superfã. Descreve a categoria dos admiradores fervorosos, aqueles que acompanham a carreira de um artista quase como um trabalho 24/7 - e que, com a enorme ramificação do consumo na era digital, podem permitir  um salto qualitativo sem precedentes no financiamento de projetos musicais.

O superfã é a versão atual do admirador que, nos anos pré-digitais, fazia questão de ter todos os CDs do seu grupo favorito, comprava as camisetas e pôsteres oficiais e ainda viajava para assistir aos shows do melhor lugar da plateia. Mas a roupagem século XXI desse grupo quer mais do que só o combo “disco + show + produto".

"Essa relação, que antes era pautada no investimento e na posse de um artigo que conectava o público aos artistas, agora se desenvolveu em algo mais etéreo e indireto. Hoje, vemos uma preferência desses superfãs no investimento em experiências mais exclusivas e que podem trazer de volta a sensação de proximidade. Onde tem necessidade tem oportunidade", diz Júlia Tostes Coimbra, Marketing Product Manager da Believe Brasil. 

Segundo a executiva, nos últimos anos, o mercado passou a considerar o superfã como “a peça mais valiosa da relação artista x audiência". Um exemplo recente ajuda a entender a força disso. Em fevereiro, a LiveNation, maior produtora de eventos do mundo, anunciou que a próxima fase da empresa terá como foco os superfãs. Segundo a companhia, o plano é produzir eventos cada vez menores, que dão a este público a sensação de viver algo 'exclusivo'. Assentos VIPs e oferecimento de benefícios, além de experiências diretas com o ídolo, fazem parte do pacote de atrativos que a empresa pretende utilizar para atrair este público. 

Atualmente, a LiveNation diz que apenas 9% de seus shows têm essa característica, e que o objetivo agora é fazer esse número pular para 35%. Para isso, a empresa vai desembolsar cerca de US$ 150 milhões. O que vem por aí, portanto, é menos estádio e mais anfiteatro. Menos variedade de preços de ingressos, mais cifrões que poucos poderão pagar. E, claro, menos custo operacional e mais margem de lucro para os executivos e artistas. Na prática, é uma separação entre fãs que pagam mais e fãs que pagam menos. No entanto, Michael Rapino, CEO da LiveNation, garantiu que os fãs menos inclinados a gastar não serão esquecidos pela produtora.

Júlia Tostes Coimbra, da Believe

O que o mercado está percebendo, no entanto, é que o superfã tem mais superpoderes do que só o da multiplicação de margens de lucro no ao vivo. Um deles é a capacidade de fortalecer as cenas musicais locais, tornando artistas e gêneros musicais um segmento autossusentável em sua região de origem, mas que, graças ao streaming, também abocanha públicos ao redor do mundo. Esse fenômeno se insere na ideia de glocalização, a mistura de elementos locais e globais sobre a qual já falamos aqui no site.

LEIA MAIS: Uma entrevista exclusiva com Will Page, o economista britânico que estuda o impacto da glocalização na música

"Muitos artistas internacionais têm no Brasil um de seus principais mercados e têm base de superfãs brasileiros, inclusive porque a audiência brasileira é uma das mais engajadas em rede social do mundo", diz Sylvia Medeiros, vice-presidente da The Orchard Brazil, que trabalha com grandes nomes latinos, como Bad Bunny, Peso Pluma, Bizarrap e Eladio Carrion.

São os superfãs, na opinião de outra importante executiva do mercado brasileiro, o cimento que permite o salto de artistas a outros territórios.

“Quando o artista fortalece a cultura local, vai ter mais embasamento para cruzar as fronteiras e levar esse conteúdo para outro lugar", observa Cris Falcão, gerente geral da Virgin Music Group para a América Latina.

Sylvia Medeiros, da The Orchard

A indústria musical latina atesta o que ela diz. Há anos, artistas como Anitta, o colombiano J Balvin ou o porto-riquenho Bad Bunny apostam no feat internacional - chamar um artista de outro país para participar de sua música -, com o intuito de expandir seu mercado consumidor e promover a troca de fãs.

"Certamente o fortalecimento do engajamento e a troca entre artistas e fãs contribuiu para o crescimento da música latina como um todo. Potencializou um fenômeno que vinha se desenhando há algum tempo, com a expansão do digital nos países latino-americanos", diz Júlia Tostes Coimbra, da Believe. 

A América Latina se tornou um caso de sucesso na retroalimentação de engajamento entre artistas, gêneros musicais e cenas artísticas.

"As redes sociais como o TikTok, por exemplo, ajudaram os superfãs a ganharem voz, multiplicando a mensagem dos artistas que, antes, encontravam barreiras muito mais difíceis para circular fora do seu nicho. À medida que esse megaengajamento cresce nos nichos e se estabelece, ele transborda para fora. E, quando esse movimento é contínuo, com vários nichos e núcleos de fãs se multiplicando, nasce uma força de cena. É o que temos visto acontecer", exemplifica Coimbra. “Hoje, a música latina (e a cultura, de modo mais amplo) viraram elementos hypes para toda uma geração que cresceu e aprendeu a consumir música nesse cenário de intercâmbio e colaborações entre artistas.”

Mas pode o feat também promover uma troca de superfãs?

"O feat é uma estratégia inteligente, mas não é suficiente", diz Sylvia Medeiros, da Orchard. "Você até pega emprestado o número de ouvintes, mas não cria superfãs. Para ter essa profundidade de relação, outras camadas precisam ser construídas, como conteúdo, shows, RP e publicidade.”

No entanto, ela vê bastante espaço para artistas brasileiros captarem superfãs nos países vizinhos.

"A América Latina cresce em consumo e em receita, e a expectativa é que continue a ocorrer, já que ainda há espaço para conversão de novos usuários, ao contrário de mercados mais maduros como EUA e Europa.”

Para Medeiros, o momento é de "criar e desenvolver os pontos de contato com os superfãs. A quem nunca pensou nisso, está na hora de pensar em conteúdo, meio e estratégia para se comunicar com esse público.”

Cris Falcão, da Virgin

No digital, os superfãs também são a bola da vez. O Spotify falou em janeiro sobre a chegada dos "superfan clubs", ainda que não tenha dado maiores detalhes sobre a ferramenta. Especula-se que esse novo olhar atento da maior plataforma de streaming do mundo sobre os superfãs poderia trazer algum tipo de benefício para os artistas com maior capacidade de engajamento. Algo que já ocorre na Deezer, como explicou em entrevista recente ao site da UBC Pedro Kurtz, diretor de Conteúdo e Relações com Artistas e Selos da plataforma francesa no Brasil.

“Se o artista tem muitos streams vindos de um determinado usuário por mês, ele recebe double boost. Outra coisa que dá double boost é ter uma base de fãs ampla. Se o artista tem, no mínimo, mil streams por mês feitos por 500 usuários diferentes, recebe double boost. Todo esse conjunto de coisas é pensado para que o artista que tem engajamento de verdade (em outras palavras, uma boa base de superfãs) seja beneficiado”, ele afirmou.

Há alguns meses, Warner Music e Universal Music foram outros grandes players a colocar a relação com este grupo de apoiadores como prioridade na estratégia das gravadoras para 2024. A Universal, vale lembrar, se associou à Deezer na adoção dos “boosts” para artistas engajados, um modelo que ambas, plataforma e gravadora, batizaram de “artist-centric”, ou centrado no artista.

Outro dos possíveis modelos de remuneração no streaming que vêm sendo debatidos no mercado é o “user-centric”, ou centrado no usuário, no qual tudo o que um determinado superfã consuma num mês seja destinado ao seu(s) artista(s) favorito(s). Há quem diga que é o modelo mais justo, em contraposição ao pro-rata utilizado pelo Spotify, entre outros.

"Toda iniciativa que traz um olhar da indústria para respeitar a relação fã-artista é benéfica. O artista melhor remunerado também melhora a experiência do fã, ele se sente parte dessa melhor compensação para o artista de que gosta", observa Cris Falcão, da Virgin Music. 

Na análise de Júlia Tostes, da Believe, o poder real dos superfãs ainda está por ser descoberto.

"Vimos no passado algumas iniciativas de teste em relação ao método de pagamento, mas que, ao meu ver, foram muito disruptivas para o momento do mercado. Hoje, o cenário é outro, e ele tende a se intensificar nos próximos anos. Portanto, ainda há espaço para transformações mais bem-sucedidas”, finaliza.

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